Os
ex-prefeitos José Benedito Nunes Neto (de Janaúba) e Warmilon Fonseca Braga
(Pirapora) continuam presos, enquanto Luiz Tadeu Leite (de Montes Claros) está
foragido.
MONTES
CLAROS (por Luís Cláudio Guedes) – Recomenda-se a leitura da sentença da juíza
da Comarca de Pirapora, Arlete Aparecida da Silva Coura, no processo que ganhou
o nome fantasia de operação ‘Violência Invisível’. O texto será especialmente
interessante para estudantes de Direito, jornalistas acomodados, advogados e,
sobretudo, aos novos e atuais prefeitos. A narrativa da magistrada é excelente
libelo contra a malandragem travestida do extenuante serviço dos agentes
públicos para o bem-comum.
Desencadeada
na terça-feira, dia 2 de julho, pela Polícia Federal, a operação 'Violência
Invisível' levou para a cadeia sete pessoas, das nove que tiveram a prisão
decretada, entre elas o empresário Mateus Roberte Carias, apontado como mentor
do esquema e os ex-prefeitos de Pirapora, Warmillon Fonseca Braga (DEM), e de
Janaúba, José Benedito Nunes (PT). O ex-prefeito de Montes Claros, Tadeu Leite
(PMDB), também está com prisão decretada. Ele está refugiado em Miami, nos
Estados Unidos.
O
texto da juíza Arlete Aparecida relata as peripécias de Mateus Roberte Carias,
ora trancafiado em um presídio de Vitória, nos Espírito Santo, e de como ele
deu baixa na empresa Instituto de Gestão Pública (Urbis) para criar a Digicorp
Consultoria e Sistemas Ltda. A Digicorp é responsável por levar gente graúda e
que se julgava muita esperta de 11 estados da federação, aí incluído o Norte de
Minas Gerais, para a cadeia.
Entre
elas, os ex-prefeitos José Bendito Nunes (Janaúba), Warmillon Braga (Pirapora)
e Luiz Tadeu Leite (Montes Claros), este último é dado como foragido pela
Polícia Federal em lugar incerto e não sabido, quiçá os Estados Unidos da
América. Os três têm em comum o fato de que caíram em legítimo conto do vigário
aplicado por Mateus Roberte e seus asseclas. Os envolvidos no esquema são
acusados pela juíza Arlete Coura da prática dos crimes de peculato, lavagem de
dinheiro, quadrilha ou bando, falsidade ideológica e fraude à licitação. A
Urbis, e depois a Digicorp do falsário Mateus Roberte, vendia aos prefeitos
incautos precatórios judiciais e títulos podres para fins de compensação junto
à Receita Federal e ao INSS.
Durante
as investigações, a Polícia Federal identificou rastros da Digicorp também nos
municípios Rio Pardo de Minas, Capelinha, Várzea da Palma, Águas Vermelhas,
Varzelândia, Itambacuri, Ipatinga e também no Consórcio Intermunicipal de Saúde
da Rede de Urgência do Norte de Minas (Cisrun), além, claro de Pirapora,
Janaúba e Montes Claros.
PREFEITOS
SABIAM DA ILEGALIDADE...
O
mundos, como se sabe, é dos mais espertos. Mateus Roberte embolsava comissões
que podiam chegar a até 30% do valor das licitações – direcionadas, diga-se de
passagem – em troca de papéis sem nenhum valor. Em contrapartida pelo serviço,
ele entregava aos prefeitos bocós reles protocolos da Receita Federal, sem
nenhuma garantia de abatimento efetivo das dívidas dos municípios com o Tesouro
Nacional. Os supostos títulos da dívida pública federal eram adquiridos pelos
municípios com um bom deságio em relação ao valor de face, mas os pedidos de
compensação fiscal eram indeferidos e o povo dos municípios governados por essa
gente lesada, lesado permanece em prejuízos milionários.
Agora
o mais grave, segundo relata a juíza Arlete, com base nas investigações da
Polícia Federal e do Ministério Público: José Benedito, Luiz Tadeu Leite e
Warmillon Braga sabiam o que estavam fazendo. A história é longa e por isso
será resumida para efeito de texto jornalístico: os ex-prefeitos norte-mineiros
foram alertados pela Polícia Federal e por auditores fiscais da Receita Federal
(Gilmar da Silva Medeiros, Hamilton de Medeiros Leite e Antônio Roberto de
Souza) para a ilegalidade das licitações e seus efeitos.
E
mesmo assim tocaram em frente seus negócios com a Digicorp, talvez na certeza
da impunidade assegurada a quem tem dinheiro suficiente para contratar bons
advogados em defesa de suas contendas.
Após
consultas feitas à Receita Federal do Brasil o então presidente da Comissão
Permanente de Licitação da Prefeitura de Pirapora Eduardo Souza Bezerra
cancelou, no dia 23 de março de 2012, a licitação para comprar dos precatórios
oferecidos pela Digicorp. O jeito de enxofre no ar não impediu que, duas
semanas depois, em 09 de abril do mesmo ano, outro processo licitatório com o
mesmo objeto fosse instalado.
Em
seu depoimento, um dos titulares da comissão de licitação Cláudio Tadeu
Fernandes Teixeira disse que o ex-prefeito Warmillon Braga determinou a
revogação da primeira licitação por "indícios quanto à falsidade da
documentação apresentada pela Digicorp". Segundo Cláudio, foi o próprio
Warmillon Braga que determinou a reabertura do procedimento licitatório, nos
mesmos termos do procedimento anterior, que foi novamente vencido pela
mesmíssima Digicorp.
CERTIDÃO
FALSA
Em
Montes Claros não foi diferente. O auditor Gilmar Medeiros disse que foi
procurado pelo então prefeito de Montes Claros Luiz Tadeu Leite. Na ocasião o
teria “advertido e às pessoas que o acompanhavam, sobre a manifesta ilegalidade
das compensações que estavam sendo efetivadas e dos graves problemas que
certamente seriam acarretados ao município de Montes Claros”. Tadeu ouviu e fingiu
que o assunto não era com ele. “Mesmo após a nossa reunião, o município de
Montes Claros efetivou compensação de crédito tributário judicial", diz o
auditor Medeiros.
O
retrato do ex-prefeito Luiz Tadeu Leite que emerge das linhas da juíza Arlete
Aparecida não é lá muito lisonjeiro. A Receita Federal e a Polícia Federal
dizem ter fortes elementos para supor que o ex-prefeito de Montes Claros
falsificou uma certidão para contrapor a impugnação da tentativa de compensação
tributária com os papéis podres que a Prefeitura comprou da Digicorp.
Segundo
depoimento do auditor Gilmar Medeiros, o documento apresentado por Tadeu Leite
“é absolutamente falso e foi utilizado como suposta prova da legalidade das
compensações, pelo próprio e então prefeito do município de Montes Claros”. Na
sentença, a juíza anota que “todos os documentos apresentados tanto pelo
município de Montes Claros, quanto os demais municípios que trataram com a
Digicorp e que se basearam em comunicação de habilitação de crédito subscrita
por Cláudio Maia Silva são absolutamente falsas". A sentença não dá mais
informações sobre quem possa ser esse Cláudio Maia. Se é que existe.
JANAÚBA
CRIOU COMISSÃO ESPECIAL PARA TRATAR COM A DIGICORP
O
nome do lobista Marcos Vinícius da Silva, agora ex-assessor parlamentar do
deputado federal Ademir Camilo (PSDB)-MG), um dos foragidos da Polícia Federal,
aparece a todo momento nos autos dos processos que desaguaram na operação
‘Violência Silenciosa’. Marquinhos, como ele é chamado nos depoimentos dos
envolvidos nas fraudes com títulos podres, seria o ‘operador’ da Digicorp para
o Norte de Minas. Foi ele também quem se aproximou do ex-prefeito de Janaúba
José Benedito para oferecer os préstimos da empresa capixaba.
Atraído
pelo ‘negócio da china’, José Benedito mandou instalar processo licitatório em
meados de 2011. A comissão de licitação à época deu sinal verde para a
contratação da Digicorp, mas, talvez por antecipar nuvens negras no horizonte,
sua então presidente Ana Lúcia Andrade de Aguiar expediu comunicação interna,
com data de 27 de julho de 2011, em que solicitava ao secretário de
Administração da época a "nomeação de comissão técnica para julgar a
proposta”, com a alegação de que os membros da comissão formal não estavam
aptos a julgar o tema.
O
ex-prefeito José Benedito nomeou, no dia seguinte ao pedido da servidora, por
meio de portaria, o leitor anote, ‘os servidores municipais’ Farley Soares
Menezes (relator da Comissão) e os membros Antônio José Lima Oliveira e Robson
Luiz Veloso, com o objetivo de “acompanhar a realização do certame e, ao final,
emitir parecer conclusivo sobre o mesmo".
O
advogado Farley Soares, dono de uma banca em Montes Claros foi ‘conduzido
coercitivamente’ até a Polícia Federal em Montes Claros no dia em que estourou
a operação da ‘Violência Invisível’. Liberado, foi aos microfones e emitiu nota
à imprensa para informar ao distinto público que foi ‘convocado’ na condição de
testemunha. Na nota, Farley pedia ainda que a imprensa o ajudasse a esclarecer
o episódio e separar o joio do trigo – ele, por óbvio, na condição de trigo,
ainda apareça em várias passagens e personagens dos envolvidos com a Digicorp.
Farley disse que em todas essas ocasiões opinou pela não contratação dos
serviços da empresa capixaba.
De
tudo que se lê, os ex-prefeitos Tadeu Leite, Warmillon Braga e José Benedito
não só sabiam o que estavam fazendo como, alertados da ilegalidade do
procedimento, tocaram a vida. E mais: agiram deliberadamente para que as
licitações ganhassem forma mesmo com todas as objeções que foram aparecendo ao
longo do caminho.
No
caso de Montes Claros, o então procurador-geral do município Sebastião José
Vieira Filho, que segundo os autos era uma espécie de faz tudo do ex-prefeito
Tadeu, deu-se ao luxo de comparecer à sala da comissão de licitações, para
espanto geral, porque nunca havia 'descido' a essas minúcias. Segundo a juíza
Arlete anota em sua sentença, ele foi se certificar de que tudo corria bem e de
que a Digicorp levaria mesmo a licitação para vender os precatórios ao
município.
Para
fechar a equação de tanto empenho, falta ainda jogar luzes sobre eventuais
repasses da Digicorp para essa gente envolvida nas licitações fraudulentas.
Seria, talvez, o elo perdido dessa história cabeluda em que políticos com longa
experiência e bagagem (os mandatos de Tadeu e Warmillon somam 30 anos e José
Benedito é delegado de Polícia aposentado) caem doce e alegremente em um mal
ajambrado conto do vigário.
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