FUNORTE FACULDADES DE JANAÚBA
Imagem reprodução TV Gazeta
Angélica Cristine de Almeida Campos, de Janaúba-MG, cientista.
JANAÚBA (por Oliveira
Júnior) – Uma janaubense se destaca em âmbito mundial diante de um feito
inédito na virologia internacional. É a gorutubana Angélica Cristine de Almeida
Campos, que estudou em Janaúba e faz parte de grupo de pesquisadores da América
Latina e da Europa que conseguiu, pela primeira vez, que um vírus do gênero
Morbillivirus fosse isolado e cultivado em laboratório a partir de morcegos
silvestres da América Latina.
O estudo, resultado de mais de 14 anos de investigação científica, foi publicado como artigo de capa da edição de junho da revista Nature Microbiology — uma das mais importantes do mundo na área. Pesquisadora do Institut Pasteur de São Paulo (IPSP), Angélica esteve recentemente atuando como cientista na Alemanha.
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Angélica Cristine de Almeida Campos, de Janaúba-MG, cientista.
“Orgulho de ser
gorutubana, crescer e estudar em Janaúba, e hoje fazer ciência de ponta”,
mencionou Angélica Campos em contato com o site do jornalista Oliveira Júnior. Angélica
divide o estudo com outros pesquisadores, dentre eles o biólogo Luiz Gustavo
Góes, que é esposo da cientista gorutubana.
Nessa quarta-feira, dia
13 de agosto, a TV Gazeta, de São Paulo, exibiu reportagem sobre essa pesquisa
da cientista gorutubana. “Conhecer é essencial para se adaptar e responder às
situações. Nesse caso o chamado à vacinação e ao cuidado com nosso planeta
buscando a Saúde Única são os apelos que devemos salientar, graças ao nosso e a
outros muitos estudos de colegas cientistas das mais variadas áreas”, declarou
a cientista janaubense Angélica Campos ao site do jornalista Oliveira Júnior.
A pesquisa envolveu uma
ampla rede de instituições e contou com destaque para os pesquisadores Angélica
Campos e Luiz Gustavo Góes, que hoje atuam no Institut Pasteur de São Paulo
(IPSP). Ambos desenvolveram suas contribuições durante um período de colaboração
na Charité – Universitätsmedizin Berlin, uma das maiores e mais renomadas
faculdades de medicina da Europa, que também abriga o Hospital Universitário
Charité, em Berlim. Mais especificamente, o trabalho foi conduzido no Institut
für Virologie (Instituto de Virologia da Charité), dentro do grupo de pesquisa
liderado pelo professor Felix Drexler, especializado em vírus zoonóticos e
emergentes.
Foto Luiz Gustavo Góes/IPSP
Testes mostraram que o Morbillivirus não infecta facilmente células humanas.
Parente do sarampo – O
vírus isolado pertence ao mesmo grupo do sarampo humano (Measles virus) e de
outros patógenos de alto impacto, considerados um dos mais contagiosos
existentes entre os mamíferos. Embora já houvesse sinais genéticos da presença
de morbillivírus em morcegos, nenhum representante havia sido isolado de
amostras clínicas até agora, o que limitava os estudos sobre sua biologia,
risco de transmissão e potencial zoonótico.
“Foram anos de esforço
até conseguirmos uma linhagem celular que expressasse os receptores certos para
o vírus. Meu foco foi entender quais receptores ele utiliza e como tornar
possível seu cultivo em laboratório”, explica Angélica Campos, terceira autora
do artigo e pesquisadora do IPSP. “Foi um trabalho intenso, que exigiu
engenharia genética, implementação de linhagens celulares primárias de
morcegos, testes de expressão proteica e validação funcional. Só foi possível
porque reunimos competências muito específicas de diferentes grupos e países. É
um exemplo de ciência colaborativa na prática”, acrescenta Luiz Gustavo Góes,
também pesquisador do IPSP e coautor do estudo.
Diversidade analisada – O estudo analisou mais de 1.200 morcegos de diferentes espécies no Brasil e na Costa Rica, incluindo morcegos hematófagos, insetívoros e frugívoros. Em mais de um terço dos morcegos-vampiros examinados foram encontrados anticorpos contra o novo morbillivírus, indicando que infecções são comuns e geralmente não letais para os animais. O projeto teve início em 2010, com coletas em Salvador, no Parque Nacional do Iguaçu e em regiões da Costa Rica. A equipe realizou o sequenciamento genético completo de dezenas de amostras até identificar uma linhagem viral íntegra. O passo seguinte — e decisivo — foi decifrar como o vírus interagia com as células hospedeiras.
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Angélica Cristine de Almeida Campos, de Janaúba-MG, cientista.
Como o bat morbillivirus
não utiliza os mesmos receptores celulares que o sarampo (SLAMF1 e Nectin-4),
foi preciso desenvolver linhagens celulares específicas derivadas de tecidos de
morcego e testar a expressão de receptores celulares especializados que
permitissem a replicação viral. Esse avanço técnico, que envolveu engenharia
genética e testes funcionais, foi conduzido por Angélica Campos no Instituto de
Virologia da Charité, com apoio direto de Luiz Gustavo Góes.
Com o vírus finalmente
isolado e replicado em cultura, a equipe realizou análises filogenéticas
detalhadas, revelando que o novo vírus ocupa uma posição basal dentro do gênero
Morbillivirus — ou seja, é evolutivamente mais próximo do ancestral comum do que
das linhagens modernas, como o sarampo. Isso oferece pistas importantes sobre a
origem e evolução desses patógenos.
Além disso, os autores
identificaram morbillivírus em macacos silvestres (saguis) encontrados mortos
no Brasil. Embora não se saiba se os vírus causaram a morte, as análises
genéticas revelaram uma forte similaridade com os morbillivírus de morcegos.
Neste caso, os vírus dos primatas conseguiram utilizar o mesmo receptor SLAMF1
usado pelo sarampo humano, o que aponta para um risco potencial de transmissão
interespécies.
Por outro lado, testes de neutralização mostraram que anticorpos gerados por infecções anteriores de sarampo ou cinomose canina foram eficazes contra os morbillivírus de morcego, sugerindo uma possível imunidade cruzada.
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Angélica Cristine de Almeida Campos, de Janaúba-MG, cientista.
Risco potencial – Embora
os testes tenham mostrado que o vírus não infecta facilmente células humanas,
ele é funcional e teoricamente capaz de se adaptar, especialmente em ambientes
onde há contato com outros vírus, o que aumenta o risco de recombinação. Como
os morcegos são hospedeiros naturais de diversos patógenos e convivem próximos
a animais domésticos e humanos, o potencial de emergência de variantes com
risco pandêmico não pode ser descartado.
“A presença de
morbillivírus em morcegos não representa uma ameaça imediata. Mas a
impossibilidade de estudá-los por falta de modelos experimentais era uma lacuna
grave. Agora podemos investigar sua biologia e nos preparar melhor para riscos
futuros”, reforça Angélica.
A pesquisa também chama
atenção para a importância da ciência latino-americana na vigilância de vírus
emergentes. As áreas de coleta — com alta biodiversidade e crescente degradação
ambiental — são consideradas zonas críticas para eventos de spillover, quando
um vírus salta de seu hospedeiro natural para novas espécies, incluindo
humanos. “A fragmentação de hábitats aproxima espécies que antes não
interagiam, criando condições propícias para a emergência de novos vírus”,
alerta Angélica.
As análises evolutivas
indicam que saltos entre espécies, como de morcegos para porcos e macacos,
ocorreram diversas vezes ao longo da história evolutiva dos morbillivírus.
Dados obtidos no estudo reforçam a hipótese de que os morcegos são espécies
chaves na disseminação de morbillivírus entre diferentes espécies de mamíferos.
Essa capacidade de mudar de hospedeiro reforça a urgência de fortalecer a
vigilância viral em áreas de alta biodiversidade.
Reconhecimento
internacional – O impacto da descoberta foi reconhecido pela própria revista
Nature Microbiology, que publicou um editorial ressaltando como estudos como
este são fundamentais para que o novo Pandemic Agreement, aprovado pela
Organização Mundial da Saúde em 2025, se concretize. O editorial defende o
fortalecimento da ciência colaborativa, da abordagem One Health (que integra
saúde humana, animal e ambiental) e do investimento em vigilância viral como
pilares para a prevenção de futuras pandemias.
O estudo vai ao encontro
das pesquisas que Luiz Gustavo Góes atualmente desenvolve no Institut Pasteur
de São Paulo, voltadas à vigilância de vírus zoonóticos e ao desenvolvimento de
sistemas experimentais adaptados à biodiversidade local. Segundo ele, o
trabalho na Charité mostrou que não basta detectar fragmentos virais — é
preciso criar ferramentas específicas para entender seu ciclo completo. “Um dos
maiores desafios foi que os sistemas celulares convencionais simplesmente não
funcionavam. Tivemos que reconstruir, passo a passo, um ambiente celular que
imitasse o hospedeiro natural do vírus. Só assim conseguimos que ele se
replicasse. Isso muda completamente a forma como pensamos o estudo de vírus
emergentes, especialmente em regiões tropicais como o Brasil, onde há uma
diversidade viral ainda pouco conhecida”, explica.
Acesse o artigo completo:
https://www.nature.com/articles/s41564-025-02005-8
Autoria e instituições
envolvidas – O artigo é assinado por uma equipe internacional liderada por
Wendy K. Jo (primeira autora, Charité – Universitätsmedizin Berlin) e Jan Felix
Drexler (autor sênior, Charité e Centro Alemão de Pesquisa em Infecções – DZIF),
com participação de cientistas da Universidade Federal da Bahia (UFBA),
Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), ,
Universidade da Costa Rica, Universidade de Glasgow (Reino Unido), Instituto
Friedrich-Loeffler (Alemanha) e outras instituições da América Latina e Europa.
A pesquisa foi financiada
por agências como a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo), CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico),
DFG (Fundação Alemã de Pesquisa), DZIF (Centro Alemão de Pesquisa em Infecções),
além de outras entidades de fomento à ciência internacional. (Fonte: Institut
Pasteur)
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