FUNORTE FACULDADES DE JANAÚBA
NO ESCURINHO DO CINEMA (relatos históricos de Janaúba)
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Foto arquivo
Cinema Janaúba que funcionou nos anos 60 na praça Dr. Rockert.
Por Hermínio Prates,
jornalista, radialista, escritor e professor universitário
**texto cedido gentilmente pelo jornalista Hermínio Prates, cidadão de Janaúba uns dias atrás e atualmente
Jornalista e escritor
Hermínio Prates.
Para quem vive no ócio,
basta um cisco tocado pela brisa do relembrar e logo a correnteza do já se foi
nos transporta ao remanso das reminiscências.
Li, com olhos de
aprendiz, crônica do portinheirense Itamaury Telles, publicada no livro
“Balangador de rede”, onde ele narra as andanças entre amigos e fontes
variadas, até comprovar que o prefixo musical do principal cinema de Montes
Claros era “Petit fleur”.
Aí me lembrei que aquele
solo de clarineta, com acompanhamento de piano e baixo também foi o mesmo que
antecipava o escurinho do cinema nas sessões do Cine-Teatro Janaúba.
Alguém me disse que
poderia ter sido “Moonlight serenade”, com a orquestra de Glenn Miller. Não, de
jeito nenhum, me garantiram outros e com eles concordo. Era mesmo “Petit
fleur”, com regência de Billy Vaughn.
A música foi composta por
Sidney Bechet e gravada em 1952 com a “Bechet All Stars” e a letra escrita só
em 1959 pela dupla Fernand Bonifay e Bua Mario; mas isso nem importa muito
porque os exaustos neurônios fatigados de penar ainda se enternecem com o fluir
dos versos melódicos.
Pois “eu me lembro, como
se fosse hoje” – escreveria o viciado em frases feitas, que me recuso a copiar
para não agredir o refinado gosto do professor Zuzu e outros cultores do bem
redigir – que me vejo moleque magricela pedalando a bicicleta, vindo de mais um
treino lá do campo do Janaúba Esporte Clube, ali perto de onde era o matadouro,
grudadinho no “gramado” de poeira do rival Independente. O primeiro reunia a
ala udenista (os fariseus) e o outro os timbós do PSD.
De longe, trazidos pelo
vento, ouvia versos do maxixe “Gavião calçudo”, cantados por Gilberto Alves.
A música é de Pixinguinha
e a letra atribuída a Cícero de Almeida. No sufoco da penúria, Pixinguinha
vendeu os direitos a um tal F. A. Pereira, de quem não se tem outras
informações.
Quem se lembra? “Chorei,/
porque/fiquei/ sem meu amor/o gavião malvado/bateu asa/foi com ela e me
deixou...”
Nos intervalos musicais o
primeiro e único locutor, Benjamin Martins de Oliveira - seo Bejo -, destacava
a atração da noite:
- Não percam mais uma
emocionante aventura protagonizada pelo intrépido astro de Hollywood, Errol
Flynn!
O filme poderia ser um
capa-e-espada em palácios medievais ou com piratas nos sete mares. Melhor se
fosse um faroeste, com John Wayne ou Gary Cooper, mas o entusiasmo do locutor
era o mesmo e poucos resistiam à única atração das noites mornas, com poucos
rádios e nenhuma televisão.
O menino acelerava as
pedaladas, chegava em casa, ali onde começa a estrada para a Jaíba, tomava um
banho de cuia – quem disse que havia pelo menos o arremedo de um chuveiro
convencional? – engolia a janta e voltava esbaforido para a praça Dr. Rockert,
onde as luzes e os cartazes dos próximos filmes atraíam a atenção de quem
chegava com a miudeza dos passos dos que não têm pressa.
Entre eles vinha o casal
formado pelo seo Mário alfaiate e dona Jandira (ou seria Genira, segundo texto
do amigo e causídico Janner Ruas de Abreu, publicado no Jornal da Serra Geral,
edição de 08 de janeiro de 2011?), com lugares certos e informalmente
reservados.
Ninguém ousava ocupar as
duas primeiras cadeiras, à esquerda do corredor central, na 12ª fileira. Outra
frequentadora assídua era dona Rita Miranda, sempre acompanhada por uma das sete
filhas, conforme biografei no livro “Família Miranda – Vidas e Histórias”.
Para quem não sabe ou não
dá valor à história da terra onde nasceu, esclareço que o prédio onde hoje é o
Supermercado Amigo merece respeito. Ali foi o escritório da Estrada de Ferro
Central do Brasil que, aliada ao rio, viabilizou e trouxe o progresso para o
vale e depois foi adaptado como cinema, inaugurado em 1952, com 220 lugares;
era uma enormidade para a época.
Lotação esgotada só aos
domingos, principalmente quando exibiam chanchadas da Atlântida, com Oscarito,
Grande Otelo, Ankito, Mazaroppi, os galãs Anselmo Duarte, Cyl Farney, Hélio
Souto e as mocinhas Eliana e Fada Santoro. Aí, meu chegado, só com duas sessões
– às 18 e 20 horas – para dar vazão àquela enchente de almas querendo rir das
trapalhadas na tela.
Detalhe: as cadeiras,
pintadas de um amarelo esmaecido, quase bege; e as cinco primeiras, à direita
de quem entrava, eram reservadas para a polícia. Assim estava escrito com tinta
preta no encosto das “poltronas” de madeira, mas nunca vi os cinco lugares
ocupados. Afinal, naquele tempo, a força policial se resumia a um sargento e
dois soldados.
Delegado? Só bem depois
assumiu o primeiro, assim mesmo sem formação específica ou qualificação. Era o
tempo dos improvisos e das confabulações políticas, sem qualquer contestação às
nomeações de conveniência. Época de mandos e desmandos dos delegados
“calças-curtas”.
E mesmo sem qualquer
escrita, sabe a quem eram destinadas as cinco primeiras cadeiras à esquerda de
quem entrava? A elas, as bem pintadas “meninas” do fovoco. Ou da “rua das
mulheres perdidas”, conforme dito pelas senhoras de terço na mão e pureza no
coração.
Os lugares a elas
pertenciam, desde que se comportassem, é claro. Se não, lá estavam os fardados
para disciplinar as “perdidas”, as infelizes achadas no monturo das injustiças
sociais. Mas quem se importava com o discurso “comunista” daqueles que se
sensibilizavam com o resgate dos marginalizados?
No ontem eu ouvia e via
de relance o seo Bejo; décadas depois, bem antes da pandemia, encontrava a cada
sábado Waldir e o jornalista Oliveira Júnior, parceirinhos de copo e boa prosa,
ambos filhos do locutor.
Seo Bejo anunciava
quimeras; quem ouvia nadava no rio e mergulhava nos sonhos, imaginava
impossibilidades com Ava Gardner, Marilyn Monroe, Elizabeth Taylor, Sofia
Loren, Brigite Bardot e até com as insossas Doris Day e Debbie Reynolds.
A testosterona explodia
em cada poro, a respiração acelerava. E o vento soprava sobre as águas do
Gorutuba, que disfarçavam a peraltice dos meninos do rio ...
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