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APÓS TRÊS ANOS DO CRIME NA CRECHE GENTE INOCENTE, CRIANÇAS TÊM QUE LIDAR COM OS TRAUMAS E LEMBRANÇAS
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Foto arquivo Hoje em Dia
CENÁRIO DE TERROR - O ataque praticado pelo vigia da creche, Damião Soares, vitimou dez crianças, duas professoras e uma auxiliar, e deixou dezenas de feridos graves. O autor do incêndio também morreu.
JANAÚBA (por Christine
Antonini) – “O homem (Damião) chegou falando ‘venham comprar sorvete, venham
todos vocês’. Então, eu fui lá ver e na hora ele soltou a bomba e tudo
explodiu. Foi muito rápido. Quando explodiu, ficou tudo escuro. Depois, senti
minha pele doendo, tudo doía. O fogo estava em nós e eu não sabia o que fazer.
Lembro que chorei demais”. O relato é feito por Rhuan Emanuel, um dos
sobreviventes da tragédia na Creche Gente Inocente, em Janaúba. Três anos já se
passaram, mas as memórias ainda estão muito claras na cabeça do menino que, na
época, tinha apenas 3 anos.
O dia 5 de outubro não será mais um dia comum para os moradores de Janaúba. Para os que sobreviveram, é considerada um segundo aniversário, a comemoração de um renascimento. Para outros, que perderam filhos, esposa, mãe, é uma data de lamentar a perda e tentar encontrar um novo caminho. Os sobreviventes carregam, além das cicatrizes na pele, a triste lembrança de um dia que mudou completamente a vida dos gorutubanos.
Foto álbum pessoal
“Quando saí do hospital, não conseguia falar com ninguém, parecia que não tinha voz. Meu pai fazia brincadeira para ver se eu animava, mas não conseguia sorrir. Meu cabelo queimou e, aos poucos, ele está nascendo”. Eloá Santos Moreira.
O ataque praticado pelo
vigia da creche, Damião Soares, vitimou dez crianças, duas professoras e uma
auxiliar, e deixou dezenas de feridos graves. O autor do incêndio também morreu.
As crianças que
sobreviveram ao incêndio tinham, na época, entre 2 e 4 anos. Apesar da pouca
idade, lembram com detalhes o que ocorreu no dia da tragédia. O menino Rhuan
teve 30% do corpo queimado. Ainda precisa usar a malha compressiva para
queimaduras que serve para ajudar no processo de reestruturação da pele. Ele
também faz tratamento em Montes Claros e no Hospital João XXIII, em BH, que é
referência em queimados em Minas Gerais.
Além das queimaduras, o garoto não consegue falar direito, pois teve complicações nas vias aéreas, garganta e língua. Dayana Cristina Dias conta que o filho, apesar do trauma, é uma criança alegre. “Ele gosta de ir para escola para brincar com os coleguinhas. O maior medo dele é o fogo. Devido às queimaduras na pele, ele não pode tomar muito sol. A vida dele não é a mesma de antes, mas tentamos fazer o possível para oferecer isso a ele”, afirma Dayana.
Foto álbum pessoal
“Foi muito rápido. Quando explodiu, ficou tudo escuro. Depois, senti minha pele doendo, tudo doía. O fogo estava em nós e eu não sabia o que fazer. Lembro que chorei demais”. Rhuan Emanuel.O medo de Rhuan é o mesmo
que dos demais sobreviventes: o fogo. Eloá, que na época tinha 4 anos, não pode
nem ver fumaça. Ficar na cozinha enquanto a mãe prepara o almoço então, nem
pensar. “Eu estava na escola, no pátio, tomando banho de mangueira. Aí chegou o
malvado (Damião) e botou fogo. Lembro das professoras pegando fogo e correndo
com as crianças no colo. Quando saí do hospital, não conseguia falar com
ninguém, parecia que não tinha voz. Meu pai fazia brincadeira comigo para ver
se eu animava, mas não conseguia sorrir, não queria brincar nem falar nada. Meu
cabelo queimou e, aos poucos, ele está nascendo”, conta Eloá Santos Moreira.
A mãe de Eloá afirma que
admirou a garotinha aceitar dar entrevista para a reportagem de O NORTE, uma
vez que a filha não gosta de falar sobre o assunto. “Ela não consegue se
entrosar com os meninos da escola. Após a tragédia da creche, Eloá não é a
mesma. Ficou retraída, com medo de tudo. Quando eu varro o quintal e coloco
fogo nas folhas, ela não fica perto, o coração dela acelera”, afirma Graciele
Silva Moreira.
Já Ycaro Rafael, hoje com
6 anos, não consegue falar sobre aquele dia. A mãe do menino, Elisângela
Correa, diz que ele inalou muita fumaça e, por isso, faz tratamento nos pulmões
para reduzir a alergia. “Depois do contato com as chamas, Ycaro se tornou
alérgico ao calor e desenvolveu um tipo de síndrome que ainda não sabemos do
que se trata, mas está ligada ao pânico. Se ele vê fogo, logo grita”, pontua.
CULPADO, SEM JUSTIÇA,
DIZEM PAIS
Para as famílias que
perderam entes queridos no incêndio criminoso na Creche Gente Inocente, em
Janaúba, não poder culpar alguém traz um sentimento de injustiça. Foi Damião
Soares, guarda da instituição, que ateou fogo no local. Mas ele também morreu
queimado. Porém, há outras questões envolvidas, como a escola não possuir
alvará de funcionamento do Corpo de Bombeiros. Muitos pais questionam essa
condição e se a tragédia poderia ter sido menor se houvesse equipamentos contra
incêndio no local.
Outro ponto abordado
pelos familiares é que o servidor Damião apresentava problemas psiquiátricos e
já havia sido afastado por causa disso. Quem trabalhava com o autor conta que
ele fazia uma série de ameaças, mas nada específico.
Muitas mães preferem não
falar sobre o assunto. Os quatro filhos de Luana Ferreira de Jesus estavam na
escola no dia do incêndio. Ana Clara, que era irmã gêmea de Vitor Hugo, não
sobreviveu. “Não consigo expressar o que sinto. É muita dor”, resume Luana.
As famílias afirmam que,
mensalmente, a Prefeitura de Janaúba paga R$ 1 mil para cada uma, como um
adiantamento da indenização cujo processo ainda está na Justiça. Porém, o valor
é considerado baixo e os pais alegam que só serve para ajuda de custos com
remédios, tratamento e viagens médicas.
AJUDA NACIONAL
As famílias das vítimas
buscam transparência sobre o dinheiro arrecadado com doações e eventos. “O
movimento SOS Gente Inocente arrecadou cerca de R$ 908 mil”, disse Jorge
Barreto, promotor de Justiça.
Ainda em 2017, diversos
brasileiros, inclusive artistas, aderiram à campanha para arrecadar fundos. Foi
aberta conta bancária e, de acordo com o promotor, os R$ 908 mil são
distribuídos conforme cronograma do Ministério Público.
A cada dois meses, as
vítimas com lesões graves ganham dois salários mínimos. As famílias que
perderam algum familiar recebem três salários, quem teve sequelas, um e meio
salário. Além disso, nos meses pares, as famílias que tiveram óbitos recebem
quatro salários mínimos, sendo três pagos pelo SOS e um pela prefeitura.
ASSOCIAÇÃO
Um dos símbolos da
tragédia é a professora Heley Abreu. Para tentar salvar o máximo de crianças
que podia, a professora, de 43 anos, acabou se queimando gravemente – teve 90%
do corpo afetado – e inalando muita fumaça, e não sobreviveu. A Associação dos
Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Creche Municipal Gente
Inocente de Janaúba (AVTJANA) é presidida pelo marido de Heley, Luiz Carlos
Abreu.
Segundo ele, a associação
dá suporte em consultas médicas e medicamentos para as crianças. O dinheiro é
oriundo de campanhas promovidas pela instituição. “Toda arrecadação de ordem
material, como roupas, alimentos e brinquedos, é destinada diretamente para as
famílias. Já a ajuda financeira é repassada por meio da Justiça, devido a
exigência do Ministério Público”, esclarece o presidente.
A Prefeitura de Janaúba
foi procurada para falar sobre o assunto, mas não respondeu até o fechamento da
edição. (Fonte: jornal O Norte)
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