Oito pessoas permanecem internadas em hospitais
de Belo Horizonte e Montes Claros
JANAÚBA
(por Osmar Macedo/Itatiaia) – Era para ser um dia como outro qualquer, na
véspera da semana da criança. Setenta e cinco alunos, entre nove meses e cinco
anos, e 17 funcionários. Esse era o número de pessoas no Centro Municipal de
Educação Infantil Gente Inocente, em Janaúba, Norte de Minas, há exatamente um
mês. Mas, por volta das 09h40, o vigia licenciado do lugar, Damião Soares dos
Santos, de 50 anos, passou pelas ruas de terra, no bairro Rio Novo, e
interrompeu o sonho e a vida de muita gente. O que ninguém esperava, aconteceu.
Ele levava um galão cheio de combustível dentro da mochila.
Foto Osmar Macedo/Itatiaia
Mesmo com as
lembranças da tragédia ainda vivas, crianças não perderam a alegria.
Damião
entrou na creche, despejou o líquido inflamável sobre as vítimas e depois ateou
fogo. As chamas e o desespero tomaram conta do lugar. O teto de pvc derreteu,
envolto por labaredas, sobre dezenas de vítimas. “Caiu chuva de fogo em cima de
mim, vovó. A minha professora morreu. Caiu fogo em cima dela”, desabafa Cleusa
Dias, avó de Ruan Emanuel Dias Barbosa, de 05 anos, que ainda está internado na
Santa Casa, em Montes Claros, desde 05 de outubro. Ele está estável. Segundo a
assessoria do hospital, outras duas vítimas, também estáveis, continuam na
Santa Casa: Jéssica Morgana Silva Santos, de 23 (funcionária da creche); e
Thiago Felipe Medeiros, de 4. Em Belo Horizonte, no Hospital de Pronto Socorro
João XXIII, referência para o tratamento de queimados, são cinco, de acordo com
a Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (FHEMIG): duas mulheres e uma
criança em estado grave, além de duas crianças estáveis.
O
enredo da tragédia comove até quem está preparado para enfrentar as
adversidades do dia a dia. Segundo o sargento da Polícia Militar Wyclefson
Lopes Teixeira, um dos primeiros a socorrer os feridos, ele ficou estarrecido
assim que chegou ao local. “É muito difícil ver o que a natureza humana pode
fazer a um semelhante. Tinha muita gente ferida”, afirma.
Foto Osmar Macedo/Itatiaia
Novas instalações da
creche devem ser inauguradas no início do próximo ano letivo.
Onze
pessoas morreram, entre elas, nove crianças, de 3 a 5 anos, a professora Heley
de Abreu Batista, de 43, que heroicamente salvou a vida de muitos que estavam
ali, e o próprio vigia. Cerca de outras 50 ficaram feridas por queimaduras
externas e/ou internas.
A
perícia da Polícia Civil deve apontar nos próximos dias qual combustível foi
utilizado pelo vigia para cometer o atentado. É o que afirma o delegado de
homicídios de Janaúba, Ricardo Amaral. “Tudo indica que seja gasolina. Mas,
para termos certeza, precisamos da conclusão do laudo”, diz. O responsável
pelas investigações afirmou ainda que outro laudo deve apontar o grau de
transtorno psicológico de Damião e se ele tinha consciência dos seus atos no
momento do crime.
Conforme
a Itatiaia informou, as instalações da creche Gente Inocente não possuíam
condições mínimas de segurança. De acordo com o tenente-coronel do Corpo de
Bombeiros Waldeci Gouveia, as vistorias em todas as escolas de Janaúba já foram
concluídas. “Todas as 17 escolas estaduais e 28 municipais de Janaúba foram
fiscalizadas e, antes do final do ano, o Corpo de Bombeiros vai fazer o
treinamento dos brigadistas para essas unidades de ensino”, ressalta. Gouveia
afirma ainda que a prefeitura se comprometeu a colocar os equipamentos de segurança
nesses locais, como extintores, placas e sinalização de emergência.
Foto Osmar Macedo/Itatiaia
Luiz Carlos recebeu,
em nome da esposa Heley, Medalha Santos Dumont, no dia 24 de outubro.
Uma
Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) foi instaurada pela Câmara de
Vereadores para investigar as causas da tragédia. Segundo o presidente do
legislativo municipal, vereador Adauri Cordeiro, testemunhas começam a ser
ouvidas nessa semana.
O
prefeito de Janaúba, Carlos Isaildon Mendes (PSDB), esteve na semana passada no
prédio provisório da creche, no bairro Veredas, e disse que o que aconteceu no
município faz o Brasil repensar a segurança em todo os seus espaços públicos.
“Todas as providências que deveriam ser tomadas, nós fizemos”, enfatiza.
Apesar
das lembranças negativas do ataque, segundo o promotor de Justiça e curador de
saúde do município, Jorge Barreto, a creche vai ser reconstruída no mesmo
local, atendendo ao desejo de todos os familiares das vítimas. “Eles ficaram
sensíveis a isso porque o projeto inclui, além da reforma daquele espaço, a
pavimentação da rua e a melhoria da iluminação pública”, explica o promotor.
A
demolição do prédio antigo começou na quarta-feira (01). As novas instalações,
modernas e seguras, serão financiadas por empresários. Devem ser inauguradas no
início do próximo ano letivo, em fevereiro. Enquanto isso, 44 dos 68 alunos
aptos a voltar para a creche já convivem com uma nova rotina. Eles contam com
todo o cuidado para esse recomeço.
Miriam
Sandraia de Souza Oliveira é mãe da pequena Maria Eduarda, de apenas 2 anos e 7
meses. Ela lembra que, agora que se completaram trinta dias do ataque, estão
aprendendo a se adaptar, aos poucos, à rotina. “Eu tenho apegado muito com Deus
para conseguir forças. A dor ainda não passou. Essa ferida que foi aberta vai
cicatrizar”, diz, confiante.
Para
a diretora da creche Gente Inocente, Aline Santos, ela e os funcionários do
local também estão encontrando forças em Deus, na comunidade e no sorriso das
próprias crianças para seguirem em frente. “Sabemos que recomeçar não é fácil,
mas temos a esperança, a fé e o amor que vamos conseguir. Somos fortes!”,
enfatiza.
Essa
força também faz parte da vida de Luiz Carlos Batista, esposo da falecida
professora Heley. Ele tem a responsabilidade de criar os dois filhos
adolescentes e o pequeno Olavo, de 1 ano e 3 meses. Luiz diz que a família
ainda está abalada, pois, segundo ele, a convivência era muito boa. “Éramos
muito unidos. Hoje, com a falta dela, acabou-se a graça. Não temos mais ânimo.
Entregamos nas mãos de Deus para que possamos prosseguir”, relata emocionado.
A
aposentada Valda Terezinha Abreu, mãe da professora Heley, tem sido um braço
forte para ele e os netos. “Deus, os amigos e parentes estão dando muita força
para nós. Vou ajudar a criar os meus netos, com certeza”, revela.
Ao
longo de todos esses dias, ouvimos relatos emocionantes como esse. Olhos
lacrimejados. Corações partidos. Mas, também, a certeza de que o amor e a
esperança superam tudo. Isso pôde ser constatado por nossa reportagem em vários
momentos. Em um deles, durante a hora do lanche no espaço provisório, o sorriso
das crianças, algumas delas ainda marcadas por queimaduras, é a certeza de que
a vida continua. (Fonte: Rádio Itatiaia, de Belo Horizonte)
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