Mãe trabalha meio expediente numa padaria,
completa a renda com trabalho de diarista três vezes na semana e não consegue
ser inserida no programa Bolsa Família: perdeu um dos três filhos
JANAÚBA
(por Luiz Ribeiro) – Voltar a procurar emprego; não achando, tratar de
encontrar “bicos”. Voltar para a rotina de salário pequeno, completado como dá
na lida em casas de família. Voltar a pôr a vida para andar, porque um filho se
foi – e como isso dói! – mas outros dois ainda dependem de Valdemar Rocha
Pereira, de 37 anos, e Valdirene Santos, de 39, pais de Mateus Felipe Rocha
Santos, de 5 anos, a nona criança a falecer vítima da tragédia na Creche Gente
Inocente. Com 90% do corpo queimado, o menino morreu na madrugada da última
terça-feira, dia 10, no Hospital João XXIII, em Belo Horizonte.
O
casal tem outros dois filhos: Ana Maria, de 11, e Juliana, de 20. Valdemar está
desempregado desde janeiro de 2016, quando foi dispensado de uma firma de Janaúba
onde trabalhava como eletricista. Desde então, tenta se manter fazendo
trabalhos temporários. Valdirene trabalha meio expediente como atendente em uma
padaria. Ganha R$ 585, renda que tenta completar como diarista, três vezes por
semana, o que lhe garante mais R$ 280 – por mês. Tenta receber o benefício do
Programa Bolsa Família. Ainda não conseguiu.
Foto Luiz Ribeiro
Valdirene, Valdemar e a recordação do filho Mateus, de 5 anos, que sonhava ser policial: 'A gente podia ser milionário que o vazio nunca ia ser preenchido'.
Há
sete anos, coincidentemente quase no mesmo dia do mês em que perdeu o filho
Mateus, a família passou por uma outra tormenta: o barracão em que eles moravam,
em rua de terra do Bairro dos Barbosa, não resistiu a uma tempestade e caiu, em
9 de outubro de 2009. “Só o banheiro, que era separado da casa, ficou de pé”,
recorda Valdemar, contando que a família teve que passar um período morando com
parentes enquanto, com muito sacrifício, ele conseguiu levantar a casa de novo
– a moradia ainda está sem reboco, como a maioria das construções do bairro.
FALTA
UM PEDAÇO Valdirene lamenta os apertos, mas lembra que nenhum passa nem perto
do sofrimento de perder o caçula. Mateus sonhava ser soldado. Foi sepultamento
na tarde de quarta-feira, com uma homenagem da Polícia Militar, no Cemitério
São Lucas. “A falta de um filho dentro de casa é muito dolorida. Ela continuará
para sempre. A gente poderia ser milionário que o vazio nunca ia ser
preenchido”, constata a mãe. “Vamos ficar para sempre sem um pedaço da gente”,
completa Valdemar.
Valdirene
reclama da falta de alvará do Corpo de Bombeiros e de equipamentos de prevenção
contra incêndio na creche que foi incendiada. “As escolas e locais que têm
crianças precisam ser seguros. As pessoas para trabalhar nesses locais também
precisam de acompanhamento. Nesse caso, se o vigia tivesse passado por um
acompanhamento psicológico, teriam notado que ele tinha distúrbios e ele seria
afastado, proibido de entrar na creche”, avalia.
Além
da carência, a criminalidade
A
pobreza e a falta de emprego em Janaúba são agravados por outro flagelo social:
a violência. Cássia Medeiros de Jesus, de 32, que perdeu a caçula Yasmin, de 4,
no incêndio da creche e tem outros três filhos para criar ficou sabendo do
assassinato do pai de um deles, Mateus, de 7, há quase dois anos. Foi morto
durante assalto à sua oficina de bicicletas, perto do Bairro Rio Novo. O avanço
da criminalidade fez a cidade registrar em 2017, até 14 de julho (último dado
disponível), 31 homicídios, alcançando 77% dos 40 assassinatos de 2016.
Sem
a ajuda do ex-companheiro morto, sem a pensão que recebia do pai da menina
Yasmin, agora Cássia conta apenas com a renda de R$ 200 do Programa Bolsa
Família e mais R$ 100 pagos como pensão pelo pai de João Paulo, que é operário
de um frigorífico na cidade. Com o dinheiro, ela se vira para cuidar dos filhos
Thais, de 13, João Paulo, de 9, e Mateus, de 7. O pai da mais velha ajuda com R$
190 por mês. “Mas, o dinheiro serve só mesmo para comprar coisas para ela, que
já está mocinha. Nem pego nele”, relata a mãe.
Trabalhar
para completar a renda é uma necessidade. Mas não é fácil. “Queria arrumar um
serviço, pelo menos para não ficar o tempo todo pensando na minha filha, que
era alegria da casa. Mas aqui não tem serviço”, reclama Cássia, que já
trabalhou como auxiliar de restaurante em Belo Horizonte, onde, aos 17 anos, se
casou com o pai da filha mais velha, em um relacionamento que durou quatro anos
antes de sua volta a Janaúba.
Perguntada
sobre o futuro dos filhos, Cássia resume: “Só Deus sabe”. Diante de tanta
dificuldade, resta esperar pela providência divina para realizar o sonho de
conseguir uma moradia melhor e prestar uma homenagem para a filha morta. “Se
Deus me der força de permanecer aqui na terra depois de ficar sem minha menina,
que Ele levou, meu sonho é ter uma casa e montar um quarto de princesa para
minha filha, para que – mesmo não estando mais aqui – ela possa me visitar toda
noite, como um anjo”. (Fonte: jornal Estado de Minas e portal Uai)
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