CRIANÇA
DORMIU ATÉ MAIS TARDE E NÃO FOI PARA A CRECHE
PAIS
RETIRARAM O FILHO DA CRECHE UMA SEMANA
ANTES DO INCÊNDIO
ESTAVA
NA CRECHE E ESCAPOU PORQUE TOMAVA BANHO DE MANGUEIRA NO PÁTIO
Foto Luiz Ribeiro
Jucélia Conceição
Santos com o filho Talisson, de 3 anos, que estava tomando banho de mangueira
no momento do crime.
JANAÚBA (por Luiz Ribeiro) – O
menino Bryan Caique Oliveira Medeiros completou 2 anos nessa segunda-feira dia
9 de outubro. Até quatro dias atrás, não estava programada nenhuma festa. Mas a
família resolveu fazer uma comemoração. “Agora, pelo menos um bolinho vou
comprar para festejar. Ele nasceu de novo”, diz Tamires Oliveira Ferreira, de
26, mãe do garoto, justificando o motivo da mudança de ideia repentina: Bryan
era atendido pela Creche Gente Inocente, que foi incendiada pelo vigilante
Damião Soares dos Santos, de 50, na manhã de quinta-feira passada, causando uma
tragédia que chocou o Brasil e o mundo. O menino foi retirado da unidade uma
semana antes e com isso escapou do massacre, cujo número de mortes chegou a 11,
sendo nove crianças, a professora Helly Abreu Batista e o autor. Além disso,
deixou mais de 40 feridos.
No meio do clima de comoção e tanta
dor que tomaram conta de Janaúba, também há sensação de alívio de famílias pelo
fato de os filhos que eram alunos da creche não terem comparecido na unidade
por algum motivo, incluindo até um simples atraso na hora de acordar, o que
atribuem à ajuda de Deus. Esse sentimento de agradecimento reina na família de
Bryan.
“Por um pouquinho, a gente estaria
no mesmo desespero de outras famílias que tinham filhos atingidos pelo incêndio
na creche”, afirma a mãe do garoto. “A gente passa dificuldades e não preparou
festinha nenhuma. Mas, agora, vamos ter que comemorar (o aniversário) para
festejar a vida de nosso filho. Ele tinha tudo para estar no meio daquela
tragédia e graças a Deus não estava”, afirma Tamires, que trabalha como
atendente em uma padaria e mora no bairro Barbosas com o marido, o pedreiro
Marcio Medeiros da Costa, de 30. Bryan é o filho único do casal, que está junto
há nove anos.
Brian era levado para a creche Gente
Inocente e permanecia na unidade, em tempo integral, no berçário. Foi o pai que
decidiu retirar o filho pequeno da creche exatamente uma semana antes do triste
acontecimento. “Percebi que meu filho estava muito triste por ficar o dia
inteiro sem a convivência com a gente. Era melhor tirá-lo de lá (da creche)
antes que ficasse doente”, diz Marcio.
Foto Luiz Ribeiro
O casal Marcio
Medeiros e Tamires Oliveira, com o filho Bryan, que foi retirado da unidade uma
semana antes. Ele completou dois anos nessa segunda-feira, dia 9.
O pedreiro conta que dois dias antes
do incêndio provocado pelo vigilante Damião, uma servidora da creche ligou para
a casa dele e pediu que levasse o filho à creche para as comemorações da Semana
da Criança. Por sorte, o pedido foi recusado.
Tamires afirma que Bryan, embora
ficasse no berçário, sempre era levado por uma funcionária da creche – amiga
dela – para a sala onde Damião jogou gasolina nas crianças e espalhou o
combustível pelo chão para em seguida atear fogo – conforme testemunhas, a
professora Helley se atracou com ele, tentando impedir que ele riscasse o
fósforo (e não isqueiro, conforme foi divulgado). “Por isso, meu filho tinha
grande chance de estar no meio da tragédia. Foi Deus que o salvou. Não tem
outra explicação”, afirma Tamires, acrescentando que na mesma semana da
tragédia doou o uniforme e mochila de Bryan para outra criança.
“Se o Bryan estivesse lá (na creche)
e tivesse ocorrido algo ruim com ele, nem sei o que seria da gente. A nossa
vida teria acabado. Sem esse menino, a vida não teria mais sentido. A alegria
da nossa casa é ele”, declara Marcio, emocionado.
Ele se lembra que a mulher teve um
problema de cisto no ovário e precisou fazer tratamento durante quase sete anos
para engravidar. “Quando ele ‘veio’, foi até uma surpresa para mim”, revela
Tamires, ao lembrar-se da gravidez no meio do tratamento.
O desfecho de sorte do filho do
casal diante da tragédia também emocionou outras pessoas da família. Na manhã
seguinte após o ataque às crianças e o incêndio na creche, no meio da
movimentação de policiais, perícia e imprensa, uma cena quase passou
despercebida em frente à unidade de ensino infantil. Uma mulher, discreta,
colocou dois vasos de flores (violeta) no muro em frente à creche. A mulher em
questão era a doméstica Helenice Oliveira, tia de Bryan.
“Estou prestando uma homenagem às
mães sofridas e também agradecendo a Deus pela salvação do meu sobrinho”, disse
Helenice, que foi ate o local em companhia do irmão, o marceneiro Everaldo
Oliveira Ferreira. “Como mãe também fico
muito chocada. A gente nunca imaginava que fosse acontecer uma coisa dessas
aqui”, diz a mulher, que tem quatro filhos: Ingrid, de 13; Yasmin, de 11; Cauã,
de 9 e Isaac, de 5.
DORMIU ATÉ MAIS TARDE
Perdeu a hora, ganhou a vida do
filho. Assim a balconista Gisele Silva da Soledade define o ocorrido com ela no
dia da tragédia na creche Gente Inocente. O único filho de Gisele, Pietro
Gabriel Silva Souza, de 4 anos, era aluno da mesma turma da professora Helley
Abreu Batista, que foi atacada pelo vigilante Damião Soares dos Santos. A
criança escapou do massacre porque na manhã de quinta-feira passada Gisele não
acordou a tempo e não levou o filho para a instituição que foi incendiada.
“Acho que foi Deus que me fez dormir até mais tarde. Não era a hora do Pietro.
Agradeço muito a Deus por continuar com meu filho”, emociona-se Gisele, que é
mãe solteira. “Mas também estou muito sentida com os sentimentos das mães que
perderam os coleguinhas do meu filho”, afirma.
Ela conta que sempre acordou
exatamente às 6h13 para vestir o filho, preparar o café e levá-lo para a creche,
onde o horário de entrada pela manhã é 7h, com tolerância até 7h15. “Tenho
mania de logo depois de acordar ficar cinco minutos mexendo no celular. Mas,
naquele dia, dormi de novo. Aí, quando acordei, eram mais de 7h e não dava mais
tempo de levar o Pietro para a creche”, relata a balconista.
Gisele mora com o filho e outras
pessoas da família do pai dela, o agricultor Generino Romualdo, que também é dono
de um pequeno açougue, no bairro Barbosa. Generino sempre tem o hábito de
acordar pela manhã e chamar atenção de Gisele para se levantar e levar o neto
Pietro para a escola, antes de se deslocar para uma pequena propriedade rural,
perto da área urbana.
Mas ele diz que, justamente na
quinta-feira, esqueceu de “lembrar” a filha de levar o menino para a creche.
“Acordei e fui para a roça. Esqueci de chamá-la”, conta Generino. O pequeno
agricultor diz que ainda pela manhã tomou conhecimento do incêndio e correu
para creche. A essa altura, nem se recordava mais que não tinha despertado a
filha para cuidar do neto naquele dia. O seu desespero aumentou porque procurou
o garoto na creche e não teve nenhuma informação. Logo depois veio o alívio. A
própria Gisele disse a ele que não tinha levado Pietro à creche porque “perdeu
a hora”.
“Primeiro, chorei de desespero,
porque não encontrava meu neto na creche. Depois, chorei de alegria ao saber
que ele estava bem. Isso é obra de Deus”, diz Generino, afirmando que foi a
primeira vez que saiu de casa pela manhã e se esqueceu de acordar a filha.
“Para mim, é como se fosse aquela história do sujeito que perdeu o avião e
depois o avião caiu”, compara o morador de Janaúba, que se emociona ao
relembrar o fato.
Outra mãe que comemora o
“renascimento” da filha é Patrícia Silva Santos, de 27. A única filha dela, a
pequena Ana Vitoria Silva Santos, de 5, foi transferida da creche Gente
Inocente para outra unidade de ensino infantil há poucos meses. “Eu trabalhava
de babá. Como deixei o serviço, achei que ela não precisava mais ficar na
creche em tempo integral e a levei para outra escolinha, mais perto de casa”,
conta Patrícia, que também mora no bairro Barbosa.
A babá diz que também sofreu com o
massacre das crianças na creche. “Na hora, fiquei pensando nas crianças e nas
outras mães. Também pensei como seria se minha filha estivesse lá. A única
coisa que me veio à cabeça foi imaginar o fogo pegando no cabelo dela”, recorda
Patrícia.
ESTAVA NA CRECHE E ESCAPOU
Do mesmo bairro da babá Patrícia, a
costureira Jucélia Conceição Santos, de 26 anos, mãe de Talisson Romualdo da
Silva, de 3, também comemora o
“salvamento” do único filho. Mas, em outra situação: Talisson estava na
creche incendiada. Ele escapou ileso.
Jucélia conta que era para Talisson
estar com outras crianças na sala onde o vigilante Damião derramou combustível
e ateou fogo. Por sorte, no momento do ataque, o filho dela e outras crianças
estavam outro local, ao ar livre. “O Talisson e outras crianças tinham brincado
de cama elástica. Eles estavam “tomando banho de mangueira”, sendo cuidados por
uma auxiliar, para depois voltar para a sala”, relata a costureira. “O meu
filho foi salvo por um milagre de Deus”, acredita Jucélia. (Fonte: jornal Estado
de Minas e portal Uai)
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