Foto Oliveira Júnior
Moisés
Bento Lacerda com a esposa Irene e os filhos Júlio e Pedro.
“Aqui está um sobrevivente que veio das bandas do Norte, veio para Minas
Gerais encontra-se com a sorte. Se conhece um bom guerreiro quando a luta é
muito forte, mas hoje com 95 anos já estou me escondendo da morte”.
JANAÚBA – Essas palavras foram ditas
pelo Senhor Moisés Bento Lacerda há cinco anos e registradas pela Socióloga
e Arte-educadora Liana Almeida durante entrevista no ano de 2008.
Passados os cinco anos da entrevista,
hoje esse grande guerreiro completa cem anos de vida. Difícil relatar em
pequeno texto as inúmeras histórias que se passaram e que marcaram sua
trajetória durante um século. Mais difícil ainda é deixar sem dizer, mesmo que
pouco, diante da grandeza que é a sua pessoa, alguma narrativa desse homem que
soube viver a vida em sua plenitude, na tentativa de passar aos Janaubenses uma
face do seu ser, o que o levou a buscar na terra dos Gorutubanos, a lutar e
vencer com tamanha singeleza e sem dificuldades, palavras expressas por ele :
Na minha vida nunca encontrei dificuldades, sempre busquei e lutei por
aquilo que acreditei. Devo parte das minhas conquistas e realizações à fé que
sempre tive em nosso criador e posso dizer que me sinto um homem realizado por
ter alcançado o meu principal objetivo, a minha missão aqui nessa terra: fazer
o bem sem olhar a quem.
Senhor Moisés tem sua origem em
uma família pobre de São José das
Piranhas, na Paraíba, mas precisamente da fazenda Jenipapeiro. O pai era agricultor, sua mãe era dona de casa
e costureira. Muito cedo perdeu o pai, com quem teve tempo de aprender a
trabalhar com a terra, que chama a matemática das sementes. Aprendeu a contar
plantando sementes de milho, arroz e feijão quando tinha apenas cinco anos de
idade, o que considera sua primeira escola. Sua segunda escola foi aos dez
anos, quando o pai contratou um Professor por seis meses para avançar nas
lições de matemática e leitura. Trabalhou na lavoura até quatorze anos. Seus
irmãos eram nove, ele como o terceiro filho se sentiu no dever de trabalhar
para ajudar a mãe a criar os irmãos. Aos dezessete anos deixou a vida do campo
e foi trabalhar no comercio em São José
das Piranhas, lembra com gratidão o nome do seu primeiro patrão, o Senhor Vicente Tiago da Silva, que lhe deu
oportunidades inclusive de estudar em uma escola e melhorar intelectualmente.
Seu último emprego antes de vir para Minas Gerais foi numa loja de armarinhos,
tecidos e compra de algodão e gado, do Senhor Antonio Gomes. Como homem de espírito guerreiro e desbravador,
tinha outros sonhos e se arriscou pegando em 1937 o Vapor Benjamim Guimarães em Petrolina, deixando para traz sua mãe e
nove irmãos, que depois vieram mais tarde. Viajando pelo São Francisco até
Pirapora durante vinte e oito dias, desceu em Montes Claros quando foi
selecionado para trabalhar em Janaúba, antigo povoado de Gameleira, na
construção da Estrada de Ferro Central
do Brasil, por isso foi dispensado de representar o Brasil durante a
Segunda Guerra Mundial. Viajou na segunda classe, uma viagem divertida, com a
presença de padres, intelectuais, poetas, seresteiros, e completa, nada de namorar, não havia no vapor
nenhuma moça com quem se engraçasse. Chegou em Janaúba em 1942 em plena Segunda
Guerra Mundial. A Central do Brasil, de vinte em vinte quilômetros tinha um
empreiteiro, em Janaúba encontrou com o Chefe Dr. Novaes. Nessa época não havia
nada, tinha uma frondosa Gameleira ao redor do que hoje é a Praça Dr. Rockert,
onde abrigava os tropeiros, comerciantes que vinham dos Gerais para vender seus
produtos, meia dúzia de casas habitadas pelas famílias do Sr. Catulé, Santos Mendes, Zé Mendes, Marcolino
Barbosa, Américo Soares e a Igrejinha
do Bom Jesus. Senhor Moíses
enfiou a cara no trabalho durante oito anos na construção da Estrada de Ferro e
em paralelo comprou carroças e foi trabalhar como empreiteiro e assim começou a
ganhar dinheiro. Aí conheceu sua esposa D.Irene
Teixeira com quem tem doze filhos, e não mede predicativo quando fala dela:
linda, difícil e branda de coração.
Com muito trabalho e boas relações sociais foi um grande comerciante e
fazendeiro, foi eleito a vereador na primeira eleição em 1949 e atuou como Juiz
de Paz por sessenta anos em Janaúba. Poucos sabem que o Senhor Moisés é um homem sábio por natureza,
em diálogo constante com os livros, demonstra algumas preferências literárias,
como Castro Alves, Euclides da Cunha e Guimarães Rosa. Conversar com ele é
mergulhar num poço de sabedoria e conhecimento. Como nordestino que é, possui o
poder no trato com as palavras, conversar com ele é possível em segundos
entender que a vida possui início, meio e a eternidade. A prosa que se segue
foi falada por ele quando retornou a sua terra natal, depois de trinta seis
anos ausente:
“Cheguei lá em minha terra, senti que ia acontecer comigo uma redenção.
Peguei um punhado de terra, beijei como se fosse uma pessoa que agente muito
gosta e falei: Beijo a terra que me viu nascer, se deu nada ao menos vi as
criaturas, hoje eu volto para lhe agradecer. Saúdo o meu sertão, saúdo a
primavera e o verão, saúdo as matas e a campinas, saúdo as águas cristalinas
que dorme sob o olhar de cima. Salve o canto da Seriema que sua feliz alvorada
desperta toda passarada em harmonia que vale a pena. Salve minha cidade esse
grande pedestal, salve os idosos do município e das cidades, salve toda
mocidade dessa minha terra natal. Salve todos os santos, São José e São
Sebastião, salve todos os animais e o gado do meu sertão, vejo a glória do
criador no esplendor dessa terra. Agradeço meus conterrâneos por me escutar com
carinho, lá na Fazenda Jenipapeiro construir de qualquer jeito, era lá o nosso
ninho”.
Assim parabenizamos o Senhor Moisés, esse grande homem secular, que
ao construir a sua própria história contribuiu para a construção da história do
povo Janaubense.
(Fonte: Liana Almeida, Artista Plástica, Arte-educadora , Socióloga e nora do Senhor Moisés.)
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