FUNORTE FACULDADES DE JANAÚBA
SONHOS E PECADOS DA INFÂNCIA
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Por Hermínio Prates,
jornalista, radialista, escritor e professor universitário
**texto cedido gentilmente pelo jornalista Hermínio Prates, cidadão de Janaúba uns dias atrás e atualmente
Foto álbum pessoal
Jornalista e escritor Hermínio Prates.
Aniversário do menino.
Fizeram um bolo, compraram meia dúzia de guaranás e um litro de groselha. Nem
era festa, apenas um “ajunta-junta” de pouca gente, parentes na maioria e
algumas pessoas amigas. Amigas dos adultos porque não deixaram que o festejado
chamasse os parceiros das bolinhas de gude e das peladas com bola de meia.
- Eram moleques, sujos de
poeira, disseram.
Ora, poeira sai com um
banho rápido e se eles eram moleques, ele também por passar mais tempo na rua
de terra solta do que na escola ou dentro de casa.
Era um domingo, final de
tarde e a primeira a chegar foi a vizinha, rindo como se dona de toda
felicidade do mundo.
- Parabéns, meu príncipe!
Ela se curvou para
abraçar o menino e exibiu, no descuido do decote, o desfiladeiro das perdições,
ladeado por dois cumes de prazeres. O abraço foi forte, os olhos, o nariz,
quase todo o rosto do aniversariante se afundaram na maciez dos seios da
vizinha.
O perfume desafiou a
sensibilidade olfativa do guri. Inebriado pelo cheiro da mulher e o calor do
chamego sentiu o que ainda não sabia explicar: um calor sob a calça curta de
linho branco, a mesma de ir à missa domingueira. E um formigamento que fez
crescer a vontade de ser homem.
Ainda não entendia
direito aquele mistério, perguntaria a João Muriçoca, ele sabia sim; era um
moleque da barranca do rio, acostumado a espionar as coxas e decotes das
lavadeiras de roupa.
Príncipe ele? E se
imaginou ser o príncipe que vira na gravura de um livro. Um moço louro, de
espada em riste, enfrentando inimigos ferozes em defesa da nobre donzela. Os
homens maus montavam cavalos negros, mas o do herói era o mais bonito, branco
como a pureza dos inocentes. Um São Jorge matador de dragão.
O abraço durou segundos,
mas o menino o eternizou na ânsia insatisfeita do desconhecido. E olhou
abestado para os lados, bochechas vermelhas pela timidez dos indefesos.
A vizinha deu as costas,
se afastou estrepitosa, rebolando saliências sob a saia justa, uma com um talho
na barra, que exibia o início das coxas nas passadas mais longas ou no cruzar
de pernas. Tudo memorizado, depois narraria detalhes, ouviria dos outros
comentários safados, uns moleques mais taludos até revirando os olhos e
suspirando fundo na adivinhação dos prazeres.
A vizinha cheirosa entrou
no quarto das moças da casa já iniciando um caso picante.
- Ah, nem te conto!
A negativa era a deixa
para aguçar a curiosidade. Fecharam a porta do quarto para maior privacidade,
mas o garoto, miúdo no tamanho, era um gigante na curiosidade. Saiu da casa,
deu a volta e fez tocaia sob a janela, sempre aberta durante todo o dia.
Entre risinhos e
trejeitos, a vizinha falava de um tal sujeito, que era ágil com as mãos e suave
com as palavras.
- Um perigo, meninas! Às
vezes penso em deixar, mas logo me lembro da Clotilde.
Todos sabiam do ocorrido,
até o menino. A ingênua Clotilde não impedira o avanço dos afagos, ouvira
sussurros na concha da orelha e, quando percebeu, estava grávida, mãe de filho
sem pai. Só não virou escândalo porque a tolinha era humilde e o sedutor
nascido em berço de rica tradição.
- Beijar homem com bigode
não é nojento?
- Que nada! É mais
gostoso, faz cosquinha -, falou e riu a sabida.
Sempre que ouvia as
confidências da vizinha sonhava cenas confusas, mãos ariscas invadindo blusas,
bocas buscando beijos, rostos de mulheres que nunca vira, estranhas ao seu
mundo e entendimento.
E acordava de repente,
quase sempre no clímax do que não sabia explicar. Uma estranha umidade – seria
suor? – molhando o pijama. Uma vez citou os sonhos em conversa com João
Muriçoca e ele disse que era normal, também se atracava com mulheres quando
dormia.
- E o suor? Seu pijama
fica molhado?
- Não é suor, seu besta!
Aquilo é caldo de homem...
As meninas sabem mais do
que os meninos? É o que parecia ao tolinho por não entender a razão de uma ou
outra guria teimar em se dizer sua namorada. Elas não jogavam bola, não caçavam
passarinho e nem colecionavam figurinhas. Só queriam brincar de “”passar o
anel”, uma besteira sem graça que pouco interesse despertava.
Nenhum moleque gostava,
com exceção de João Muriçoca - sempre ele! -, que simulava gestos safados ao
passar os dedos nas palmas das mãos das meninas. A melhor brincadeira com elas
– dizia o esperto – era de esconde-esconde. Ele sempre dava um jeito de se
apertar em um escurinho com uma delas, que às vezes escapava do esconderijo com
cara de brava. Motivos? Deveria ter.
Ouvia conversas, palavras
soltas, que fulana estava “naqueles dias”, sicrana “já era moça”, outra sofria
com os suores da idade – “e sem casar!” – ironizavam as risonhas.
Mulher só sabe falar da
vida dos outros? Era o que pensava após ouvir atrás de portas e sob a janela.
Outro mistério: a cozinheira garantiu que a cria de alguém seria mulher e não
homem, como desejava o pai.
- Como você sabe?
- Pelo coração da
galinha. Antes de cozinhar dei um corte pensando na criança e olha como ficou:
aberto no talho. Não tem erro. Vai ser fêmea.
Com 50% de chances,
qualquer adivinhação pode se tornar verdade.
O garoto não sabe
determinar quando, mas de um momento para outro passou a se interessar pelas
meninas, que já não considerava chatas. Arriscava com mais freqüência olhares
em decotes e barras de saias, admirava volumes e reentrâncias, se tornara
ousado em medir com os olhos os limõezinhos que cresciam sob blusas e
vestidinhos de chita. E de mero ouvinte, se tornou contador de casos, de
safadezas reais e imaginárias.
Uma delas foi ... não, a
censura não permite.
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